Um Deus de desenho animado

Os desenhos animados devem ter me dado as primeiras impressões a respeito de Deus: eu o imaginava um ho­mem desgrenhado e peludo, de olhar penetrante, de dedo em riste em minha direção. Embora fosse obviamente uma pessoa boa, Deus parecia tão distante e intangível quanto um velho e enfadonho professor da escola, al­guém que dava ordens rígidas e esperava obediência.
Como conseqüência, por um longo tempo durante o ensino médio não me voltei para Deus com meus pro­blemas. Eu ligava para Kathleen, minha melhor amiga, e despejava em detalhes minha história.
Deus parecia muito retirado da minha vida agitada de ginástica em equipe, de campainhas da escola, de namoros, de programas de TV. Nunca consegui imagi­nar onde ele se encaixaria.
É quase como se eu houvesse me esquecido de Deus — como se estivesse segurando uma correia com um leão na ponta e tivesse me esquecido que o leão estava ali. E provável que inconscientemente eu estivesse querendo esquecer todas aquelas imagens de desenho animado de um Deus severo e agourento. Era impressionante. Aque­la altura eu cria que Deus, o Criador do universo, havia escolhido estar intimamente envolvido em minha vida, e, no entanto, eu era capaz de passar muitos dias sem sequer pensar a seu respeito.
Um dia, na escola, fiquei sabendo pela Kathleen que seu pai havia sido transferido para outra cidade. Fi­quei arrasada. A única pessoa em quem eu confiava ia me deixar.
Reagi à notícia como uma criança — com lágrimas e com raiva. Com quem eu estava decepcionada? Não te­nho certeza; senti apenas um profundo sentimento de perda. Nós duas havíamos passado anos construindo um relacionamento de confiança, de modo que podíamos falar sobre absolutamente qualquer coisa. Não consegui encarar nossa amizade interrompida. Afastei-me das outras amigas, recusei convites para festas e comecei a ficar com pena de mim mesma. Em quem eu poderia confiar a partir de agora?
Uma coisa estranha aconteceu. Tão logo Kathleen se foi, comecei a voltar-me para Deus. No começo me aproximei dele com hesitação, quase que com vergo­nha. Será que poderia confiar nele para cuidar dos de­talhes de minha vida? Eu me esquecia dele com facili­dade; será que ele se esquecia de mim com a mesma facilidade?
De algum modo me senti melhor sendo honesta com Deus. Descobri que não precisava estar no alto de uma montanha para comunicar-me com ele. Eu podia falar com ele na sala de aula, em meu quarto — qualquer lugar. Ele não parecia aquele professor severo; parecia mais um amigo.
Os salmos na Bíblia me encorajaram a me abrir com Deus. Os salmistas levavam sua raiva, sua dor e sua amar­gura a Deus. Em resposta, ele não os esmagava com um fardo pesado de culpa ou repreensão: ele lhes dava cura e consolo.
No processo de voltar-me para Deus, aprendi uma coisa. Eu costumava pensar que minha vida tinha valor somente quando estava repleta de coisas agradáveis. Eu me cercava de amigos leais e felizes. Escolhia atividades escolares nas quais sabia que seria bem-sucedida. Ao conversar com meus pais, evitava assuntos sobre os quais discordaríamos. Talvez fosse por isso que eu recuava com aversão diante da imagem de desenho animado de um Deus severo: pensava que ele tiraria minha felicidade e me ensinaria “o que era bom pra mim”.
No entanto, quando experimentei a dor emocional da perda de Kathleen, dos conflitos com meus pais e o rompimento com meu namorado, fui surpreendida pela perspectiva de Deus. Ele não respondeu a minha dor com frieza; ele me consolou como um pai amoroso. Pro­meteu usar todas as coisas em minha vida para o bem: tornar-me mais parecida com ele. Na maioria das vezes não consigo entender o porquê de certas coisas, mas te­nho aprendido a confiar em Deus, a despeito de tudo. Aquela imagem severa de desenho animado está se apa­gando rápido.

JoAnn Read. IN: Yancey, P. Desventuras da vida cristã.

Deixe um comentário